A geração Atlântida dos goleiros

A geração Atlântida dos goleiros

Limitados ou injustiçados? Goleiros da base de grandes clubes brasileiros sofrem para se estabilizar no futebol.

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Dias desses, acompanhando um jogo do estádio, testemunhei a falta de paciência da maioria esmagadora da torcida-consumidora do Corinthians com o jovem Malcom. Bola pra cá, bola pra lá, e sempre sobrava um mano a mano do rapaz diante do lateral adversário. Sem ninguém por perto para tabelar.

“Vai, moleque do c…”, berrava um homem algumas fileiras atrás, com intensidade digna de intimidar um tigre, a cada toque dele na bola. Na base do grito, outros ao redor, aos poucos, também começaram a perseguir o jovem. Malcom, sem opção, pedalava, ciscava e até passava na maioria das vezes, mesmo sendo uma jogada difícil.

Quando perdia a bola ou tocava para trás, porém, a lamentação no estádio era mais barulhenta do que qualquer cântico entoado durante todo o jogo. Isso com seu time liderando o campeonato. E com Malcom jogando no ataque.

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A pressão de substituir Marcos atrapalhou o goleiro Deola (Foto: Palmeiras/Divulgação)

 

É até difícil mensurar a pressão sentida por Deola ou por Bruno na missão de substituir Marcos, um dos maiores ídolos da história do Palmeiras. Pelo carisma, pela história, pelas grandes atuações, pelas décadas de dedicação ao clube. Mas, principalmente, pelo fato de que uma única falha custaria pontos no fim do jogo. Diferentemente dos desarmes em Malcom.

Ambos começaram bem. Deola, por exemplo, contava com o benefício da dúvida nos últimos anos de Marcos como jogador de futebol. Volta e meia entrava, devido às seguidas lesões do veterano, e correspondia. Uma insegurança aqui e ali, mas nada que o denegrisse.

Bastou o titular se aposentar para que o nem tão jovem arqueiro, que tantos anos esperou para assumir o posto, fosse cobrado como goleiro titular de pentacampeonato mundial. A cada falha de Deola, entre 2011 e 2012, a torcida incitava cada vez mais ódio contra a cria da base palestrina.

Sobrou para Bruno a ingrata missão de assumir a titularidade. Como lidar com tamanha desconfiança? O título da Copa do Brasil de 2012, marcada por grandes atuações do jogador, lhe deram gás. Que quase foi dissipado com o rebaixamento para a Série B, no mesmo ano.

Mas Bruno ainda tinha certo moral. Passou a brigar pela vaga de titular com o recém-chegado Fernando Prass, e foi favorecido com as seguidas lesões do veterano. Sua falha icônica contra o Tijuana na Libertadores de 2013, contudo, que resultou na eliminação da equipe no torneio, acabou com qualquer prestígio.

O jogador passou a ser bode expiatório dos palmeirenses, que se lamentavam pelo fraco time da segunda divisão, e elegeram Bruno como símbolo da tenebrosa fase do clube. Bastava qualquer insegurança do atleta, visivelmente perseguido, para que xingamentos escabrosos ensurdecessem o estádio.

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Renan não conseguiu alcançar o nível esperado (Foto: Internacional/Divulgação)

 

Outros casos emblemáticos são os dos goleiros colorados. Herdeiro de Clemer, Renan era muito jovem, mas já colocava o veterano no banco em meados da década de 2000. Chegou a ser convocado para a seleção e vendido ao Valencia em 2008, aos 23 anos. Em alta.

Enquanto isso, os técnicos do Internacional priorizaram a experiência de Lauro, goleiro rodado, em detrimento da juventude de Muriel, promessa da base, que passava por empréstimos. O titular sucumbiu à pressão, e Renan, já sem prestígio na Espanha, após acúmulo de lesões, voltou emprestado.

Já não era o mesmo. Vindo como salvador da pátria, acumulou falhas ao longo de 2010, mesmo com o time sendo campeão da Liberadores. O fracasso no Mundial, mesmo não sendo por culpa sua, encerrou seu curto retorno ao Inter.

Veio Muriel e o roteiro foi o mesmo. Bom início, e, após certa instabilidade, a eterna desconfiança.  Para um goleiro, é quase impossível deixar tal condição. Muriel perdeu espaço para Dida, e, posteriormente, para seu irmão mais novo, Alisson, recentemente convocado para a seleção.

Júlio César penou no Corinthians, após anos e anos de reserva. Foi campeão brasileiro em 2011 com todos os méritos. Caiu em desgraça após falhas no Paulistão, viu o então pouco conhecido Cássio assumir o posto de titular, vencendo a Libertadores, e nunca mais voltou.

Dênis corre sério risco de seguir no banco mesmo após aposentadoria de Rogério (Foto: Érico Leonan/São Paulo)
Dênis corre sério risco de seguir no banco mesmo após aposentadoria de Rogério (Foto: Érico Leonan/São Paulo)

Dênis passou tortuosos anos de espera pela aposentadoria de Rogério Ceni no São Paulo. Seria o substituto. Não fosse uma ou outra falha em substituição ao ídolo durante esse período. É tachado de limitado pelos são-paulinos em geral. Quando a hora finalmente chegou, Osório deu indícios de que Renan Ribeiro é o atual segundo goleiro do clube.

A culpa é da geração? Renan, Muriel, Deola, Bruno, Júlio César e Dênis, todos na faixa dos 28-32 anos, enfrentaram contextos distintos, mas há um denominador comum: a corneta das arquibancadas. Não há nada mais devastador para a carreira de um jogador de futebol.

É curioso pensar que Marcos substituiu Velloso no Palmeiras. Que Rogério Ceni fez Zetti encurtar sua carreira no São Paulo. Ou que o próprio Zetti ofuscou Gilmar Rinaldi, goleiro de seleção, em sua chegada ao Tricolor do Morumbi.

Difícil não pensar que a mudança no perfil dos torcedores que frequentam estádios de futebol não tenha influência no fato. Ou que a internet, que potencializa exponencialmente qualquer deslize com enxurradas de piadas pela web, não desestabilize atletas da posição do futebol mais afetada pelo estado psicológico.

Marcelo Grohe pode ser exceção. Pertencente à mesma geração, o goleiro teve potencial, mas sempre esteve em descrédito com os gremistas. Conquistou respeito nos últimos meses com boas atuações. Chegou à seleção. Mas, de uma hora para outra, pode sucumbir. Ninguém está a salvo – a não ser os perfeitos, que só existem no imaginário popular.

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