A importância e o caráter humanitário da Cruz Vermelha são inquestionáveis, assim como o talento do atacante Arsenio Erico, considerado pela FIFA como o melhor jogador paraguaio de todos os tempos e até hoje o maior artilheiro do Campeonato Argentino. Essa correlação pode parecer estranha à primeira vista, mas tem fundamento histórico.
Nascido em 1915, em Assunção, Arsenio Pastor Erico Martínez estreou aos 15 anos de idade no Nacional (o finalista da Libertadores 2014, para ser claro) e viu sua curta carreira ser afetada em função do contexto político vivido pelo país guarani na época.
Em 1932, vale lembrar, houve o início da Guerra do Chaco contra a Bolívia, que se estendeu até 1935.
Em 1933, Erico é mobilizado para marchar à batalha. No entanto, em meados do referido ano, o diretor da Cruz Vermelha paraguaia, Andrés Barbero, reuniu-se com dirigentes da liga nacional de futebol e propôs a formação de uma seleção para angariar recursos que seriam utilizados no atendimento aos milhares de feridos pela guerra.
A informação chegou aos ouvidos do comandante César Molina, que por anos havia sido um importante nome dentro do Nacional. Ele convenceu seus superiores a incluir o promissor atacante na equipe comandada pelos técnicos Domingo Ciño e Eduardo Cardó. Assim que foi atendido, mandou Erico de volta à Assunção para reforçar a equipe.
Sabendo da qualidade técnica de seu reforço, sobretudo do virtuosismo para driblar, Cardó deu-lhe a camisa 9 e pediu-lhe que fosse objetivo, pois o time precisava de um goleador. A partir daí começou a jornada do selecionado, sob a presidência de Ricardo González, membro da Cruz Vermelha e dirigente ativo do Sol de América.
Os convocados para os jogos no território nacional, além de visitas a Argentina e Uruguai, foram Fortunato Mariotti, Adolfo Velasquez, Casiano Lopez, Quiterio Olmedo, Marcos Gerinaldo Rojas, Lorenzo Romero, Enrique Amare, Ramón Viccini, Mariano Alvarez, Pichico Salcedo, Andres Mendoza, Carlos Aguilera Mazo, Eligio Esquivel, Arsenio Erico, José Ibanez, Martin Flor, Rafael Érico, José Barnier, Timothy Ramirez e José de la Cruz Franco.
Ao longo de sua turnê, a seleção da Cruz Vermelha perdeu bastante jogadores em decorrência de lesões e teve de retornar a Assunção para se preparar para uma nova viagem, haja vista o sucesso da anterior.
No meio da busca por recursos humanitários, Arsenio ganhou destaque internacional. Suas habilidades despertaram o interesse de River Plate e Independiente, ao qual o jogador se transferiria para fazer história em Avellaneda.
No total, o selecionado paraguaio disputou 26 encontros em territórios vizinhos e marcou 81 gols, sendo 56 deles anotados por Erico. Além de combinados locais, a Cruz Vermelha também enfrentou equipes como River Plate, Vélez Sarsfield, Huracán, San Lorenzo, Nacional-URU e Peñarol. Enquanto a guerra ceifava milhares de vidas, o time angariou fundos significativos que ajudaram a aliviar os cofres da organização humanitária.
Antes de o conflito acabar, Arsenio Erico finalmente tornou-se jogador do Independiente em abril de 1934, depois de recusar propostas do River Plate, justificando que já havia dado sua palavra a dirigentes dos Diablos Rojos. Ao receber os 5 mil pesos equivalentes à sua contratação, o jogador mostrou outra vez seu lado altruísta e doou todo o dinheiro para a Cruz Vermelha, antes de embarcar rumo a Avellaneda. Um golaço de placa.