Zebras que bateram na trave – O Videoton caçador de gigantes

Zebras que bateram na trave – O Videoton caçador de gigantes

Sem grandes estrelas, modesto clube da Hungria chegou ao vice da Copa da UEFA

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A formação clássica do Videoton vice da Copa da UEFA (Foto: Reprodução)
A formação clássica do Videoton vice da Copa da UEFA (Foto: Reprodução)

Um dos fatores mais apaixonantes do futebol é a capacidade que o esporte tem de apresentar grandes zebras. Quem não gosta de ver um azarão surpreendendo os gigantes e derrubando os prognósticos? A menos que seja contra o seu próprio time, é claro.

Desde que o jogo foi criado, existem vários exemplos de equipes que se superaram e deixaram times muito mais fortes (técnica e historicamente) pelo caminho, levantando a taça no final de uma brilhante trajetória e ganhando seu lugar no Olimpo do esporte bretão.

A essas equipes, damos os merecidos parabéns. Mas este especial tratará sobre outros, que nem sempre são lembrados, já que não conseguiram dar o último passo em direção à glória. Mesmo assim, prestamos as devidas honras às Zebras que Bateram na Trave.

Nesta segunda parte do especial, chega o momento de falar sobre o Videoton FC, da Hungria. Achou esse nome mais parecido com o de uma locadora de vídeos do que um time de futebol? Talvez prefira então a alcunha com a qual o clube foi fundado: Székesfehérvári Vadásztölténygyár SK.

Pois é, melhor continuar como Videoton mesmo. Nomeado em homenagem à fábrica de produtos eletrônicos com sede na cidade de Székesfehérvár, o clube foi fundado em 1941 e formado por trabalhadores da própria companhia.

O time não chamou muita atenção no país até a década de 1980, quando começou a ocupar posições mais altas na primeira divisão do Campeonato Húngaro. Em 1984, ao terminar a liga nacional na terceira posição, a equipe vermelha e azul conquistou uma vaga para a Copa da UEFA da temporada seguinte. E foi aí que a grande surpresa começou.

Apesar do patrocínio da empresa, o Videoton não era um clube rico, nem contava com estrelas de grande calibre. Os maiores destaques do time eram pratas da casa, como o goleiro Péter Diesztl, seu irmão László, e os meias Végh e Csongrádi. Os principais reforços eram os atacantes Majer e Burcsa.

Na primeira rodada da Copa da Uefa de 1984/85, o Videoton enfrentaria o Dukla Praga, potência da República Tcheca na época. A vitória por 1×0 em casa, no estádio Solstói, bastou para que o time passasse para a etapa seguinte depois de um 0x0 na volta.

Essa já seria a primeira zebra. Até aí, qualquer time pode ganhar um jogo atuando na retranca e segurar o empate na volta. Esse é o raciocínio mais básico e até justificável, mas a fase seguinte provaria que os húngaros não se encaixavam bem nesse perfil.

O adversário seria o forte time do PSG, com vários jogadores da seleção francesa. Na ida, em Paris, o Videoton deixou os locais boquiabertos com um gol relâmpago de Szabó, aos dois minutos. Aos 28, ele mesmo ampliou para 2×0.

A partida foi para o intervalo, e a partir daí se supunha que o PSG fizesse valer sua vantagem de camisa e torcida para reverter o resultado. Só que Csongrádi marcou duas vezes, e a zebra virou goleada. Rocheteau ainda diminuiu o vexame parisiense com dois gols, mas o 4×2 assombraria o PSG. Na volta, o Videoton confirmou a vaga com vitória por 1×0, gol de Májer.

Nas oitavas de final, outro grande desafio. O Partizan, tradicional clube iugoslavo, chegava forte. Apesar do favoritismo, não foi páreo para os “Vidi”. 5×0 no jogo de ida na Hungria, com direito a show de Szabó, que marcou 4 gols. Na volta, o Partizam ainda abriu 2×0 no primeiro tempo, mas parou por aí.

Agora a história tinha ficado séria. Quem seria esse time de uma cidade impronunciável goleando vários clubes tradicionais? Os comandados de Ferenc Kovacs, ex-jogador da seleção húngara, colocavam uma pulga atrás da orelha nos especialistas, principalmente pelo estilo de jogo ofensivo.

Nas quartas de final a situação iria mudar, e não era para menos. O rival era o gigante Manchester United, louco por uma conquista continental para reacender os dias de glória. No primeiro jogo, em Old Trafford, os ingleses pressionaram muito e acabaram conseguindo a vitória, com gol de Stapleton.

A essa altura, a torcida do Videoton, pouco empolgada no início do certame, já havia abraçado o time de vez. O estádio Solstói se transformou em um pequeno caldeirão, e viu o time da casa devolver o resultado da ida, graças a um gol de Wittmann, batendo falta. A vaga seria decidida nos pênaltis.

Foi então que brilhou a estrela do goleiro Disztl. Primeiro ele contou com a sorte, ao ver Stapleton mandar sua cobrança para fora. Depois, encaixou o chute de Albiston. A defesa espetacular garantiu o Videoton nas semis, contra um adversário inesperado: o Željezničar, time bósnio que na época jogava o campeonato iugoslavo.

Para quem havia derrubado tantos gigantes, não parecia uma missão tão difícil. Mas o Željezničar tinha uma ótima equipe, que fez jogo duro nos dois duelos. No primeiro, o Videoton fez valer o fator casa e conseguiu uma vitória por 3×1.

Na volta, os bósnios passaram muito perto da classificação, marcando os dois gols que os levariam até a final da Copa da UEFA. Eis que aos 42 do segundo tempo, Csuhay apareceu livre na área e finalizou. Caprichosamente, a bola ainda bateu no defensor e no goleiro adversário antes de entrar. Era o gol da vaga.

Depois de tanta emoção, o Videoton poderia se sentir confiante para qualquer coisa no torneio. Inclusive para o adversário que estava por vir, simplesmente o Real Madrid. Na época, os merengues contavam com a “Quinta del Buitre”, uma formação repleta de jogadores talentosos revelados pelas categorias de base do clube.

Sanchís, Michel e Butragueño, entre outros, juntavam-se a veteranos como Stielike e Valdano. Um esquadrão de respeito. Esse fator não desanimou a torcida húngara, que bateu o recorde de público do estádio Solstói na partida de ida, com 35 mil espectadores.

O Videoton se empolgou e foi pra cima, mas a pressão inicial não fez efeito. Habituado a decisões, o Real soube atacar no momento certo, e abriu o placar com Michel aos 30. O gol foi um baque. O Vidi não conseguia repetir o ímpeto ofensivo, e acabou tomando mais dois gols, de Santillana e Valdano.

O 3×0 sofrido em casa já parecia sacramentar o resultado final. Na volta, qualquer coisa que não fosse uma goleada já seria dentro do esperado. Logo no início, Disztl pegou um pênalti de Butragueño, que acabou reanimando o Videoton.

O time ainda seria capaz de uma última surpresa, com o gol de Majer aos 41 do segundo tempo e a vitória em pleno Santiago Bernabéu. Placar insuficiente para o título. Porém, mais que o bastante para manter a dignidade e o rótulo de caçador de gigantes para o pequeno clube de Székesfehérvár.

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