“Pantera Negra” da Hungria, Gyula Grosics revolucionou a posição de goleiro

“Pantera Negra” da Hungria, Gyula Grosics revolucionou a posição de goleiro

Repleto de histórias, arqueiro fez parte do esquadrão vice-campeão mundial em 1954

COMPARTILHAR
Gyula Grosics - Hungria
Gyula Grosics vestindo o uniforme que o tornou famoso. (Foto: Reprodução/UEFA)

Nas rodas mais alternativas de futebol, não gera espanto comentários às vezes repentinos sobre a fantástica Hungria da década de 1950 e seu maior expoente, Ferenc Puskás. Dependendo das habilidades comunicativas do interlocutor, aquela analogia entre os Mágicos Magiares e a Ferroviária campeã da Série C em 1994 passa até a fazer sentido. Mesmo nesses debates acalorados, porém, é raro falar de Gyula Grosics.

Nascido no pequeno vilarejo de Dorog, ao norte de Budapeste, a 4 de fevereiro de 1926, Grosics foi apelidado de “Pantera Negra” em virtude de seu uniforme inteiramente preto, que, diz-se, inspirou uma legião de arqueiros soviéticos, como o próprio Lev Yashin, recémhomenageado no pôster da Copa do Mundo de 2018, na Rússia.

À frente de seu tempo, o goleiro revolucionou a posição ao adiantar-se quando sua equipe tinha a posse da bola – algo incomum para uma época na qual os homólogos dele se mantinham fixos sob as traves – e permitir que os defensores tivessem liberdade para subir, ajudando a fazer pressão pela bola mais perto da meta adversária. Um pioneiro.

Ademais da habilidade de jogar como uma espécie de líbero, Grosics se sobressaía pela técnica individual e a agilidade para executar belas defesas, tanto em níveis de plasticidade quanto de dificuldade. Internacionalmente, representou a Hungria de 1947 a 1962, em 86 ocasiões, entre quais obteve a medalha de ouro dos Jogos Olímpicos de Helsinque, na Finlândia, em 1952, e o vice-campeonato mundial de 1954, na Suíça.

Mas a sua história também é marcada por elementos negativos que, de certo modo, acabaram sendo vencidos – para a alegria do futebol. O primeiro, mais brando, ocorreu ainda na infância, quando sua família, de origem católica, queria que ele se tornasse padre. Alguns anos foram investidos nessa formação até o Dorogi Bányász, clube de sua cidade, chamá-lo para jogar aos 15 anos, muito por efeito da Segunda Guerra Mundial.

Foi lá que Grosics chegaria ao profissionalismo, em 1945. Antes, o jogador havia sido convocado para servir ao seu país, membro das forças do eixo, no fim da Segunda Guerra, tendo sido inclusive capturado por tropas norte-americanas. Em 1949, já de volta, travou conflitos com o novo regime comunista de seu país e acabou em prisão domiciliar e proibido de jogar pela Hungria por um ano, após tentativa de fuga.

Durante os referidos imbróglios, Grosics acumulou passagens pelos locais MATEOSZ Budapest e Teherfuvar. A exemplo de outros contemporâneos, em 1950 ele começou a defender o time do exército, o Budapest Honvéd, que tinha como justificativa manter os melhores atletas reunidos para fortalecer a seleção. Ao lado dele, havia nomes como os de  Ferenc Puskás, József Bozsik, Zoltán Czibor e László Budai, por exemplo.

Dono de uma posição ingrata, o goleiro sofreu devido à derrota na final da Copa do Mundo para a Alemanha na Copa do Mundo e foi acusado de espionagem traição, sendo frequentemente interrogado. Passou 15 meses afastado do futebol. Quando ocorreu a Revolução Húngara de 1956, que lutava contra a política comunista local, seus companheiros conseguiram escapar, mas ele ficou para trás e logo acabou transferindo-se para o Tatabanya Banyasz, pelo qual jogou mais duas Copas (1958 e 1962).

Ao tentar defender as cores do célebre Ferencvárosi, em mais um capítulo triste de sua história, Grosics foi barrado pelo Ministério dos Esportes. Como forma de protesto, pendurou as luvas, em 1962. Finalmente, em 2008, aos 82 anos de idade, em ato simbólico, o goleiro teve a oportunidade de jogar pelo seu time do coração, dando o pontapé inicial de um jogo local. Um alento efêmero para um coração que tanto sofreu.

 

Deixe seu comentário!

comentários

COMPARTILHAR
Jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero, é apreciador do futebol latino, do teor político-social do esporte bretão e também de seu lado histórico.