O movimento intitulado Democracia Corinthiana surgiu no mundo do futebol para toda a nação no início da década de 1980, período em que o Brasil vivia sob o comando autoritário do General João Figueiredo, o último presidente da Ditadura Militar. Embora o país tenha se redemocratizado anos mais tarde impulsionado pela campanha das Diretas Já, o ideal levado a campo por jogadores como Sócrates, Wladimir, Casagrande e Zenon ainda permanece vivo dentro do pensamento de grupos de torcedores alvinegros.
Organizado pelo Levante Popular da Juventude, o coletivo Democracia Corinthiana – que não possui nenhuma ligação com o clube do Parque São Jorge -, participou de um ato nesta terça-feira (5) em que estiveram presentes ex-jogadores, jornalistas, líderes de torcidas organizadas e nomes históricos que se uniram para derrubar o governo militar. O evento ocorreu no vão dos prédios dos cursos de História e Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP).
Na plateia, que se sentou no chão ou simplesmente ficou de pé por quase duas horas para assistir ao debate no começo da noite, havia estudantes, jovens, adultos e idosos. Das cerca de 250 pessoas concentradas no local, por motivos óbvios, muitas estavam com a camisa do Corinthians, mas isso não intimidou (e nem deveria) torcedores rivais, que apareceram com a camisa do São Paulo, do Palmeiras, do Santos e até do Huracán.
Todos juntos para ouvir e conversar sobre o golpe e a criminalização de movimentos sociais pela chamada grande mídia. Com o microfone, estavam os jornalistas Juca Kfouri e Walter Falceta, o ex-jogador Wladimir (atleta que mais vestiu o uniforme do clube e um dos líderes do movimento) e o sociólogo e ex-diretor de futebol Adilson Monteiro Alves, além de Chico Malfitani, um dos fundadores da Gaviões da Fiel, e Pulguinha, atual diretor desta torcida organizada.
Também estiveram no encontro a advogada e militante do Levante Popular da Juventude Beatriz Lourenço e o jornalista Antonio Carlos Fon, que, nos tempos da ditadura, ajudou a erguer a faixa “Anistia Ampla Geral e Irrestrita” mostrada pela Fiel em 11 de fevereiro de 1979, no clássico contra o Santos, nas arquibancadas do Estádio do Morumbi.
Na reunião, discutiu-se a respeito do legado deixado pelo Doutor Sócrates e a Democracia Corinthiana não só para o futebol, como também para a sociedade brasileira, e sobre a atual conjuntura política do país, dentro da qual setores conservadores e parte considerável da população, ambos os lados insatisfeitos com o Governo Dilma, desejam o impeachment da presidenta, eleita em outubro de 2014 por meio do voto popular.
Com críticas ao governo, porém em favor da democracia, os convidados reforçaram o discurso de que a destituição de Dilma, sem ter sido comprovado qualquer crime de responsabilidade por parte dela, é golpe. Ademais, eles se mostraram preocupados com os eventuais efeitos causados pelo afastamento da presidente diante das referidas circunstâncias na ainda jovem democracia brasileira.
Democracia Corinthiana, 5/04 São Paulo
A Democracia Corinthiana surgiu como movimento em 1981, e conquistou, em plena ditadura militar, o direito ao voto e à auto gestão dos jogadores nas decisões do Corinthians. Com o país na iminência de um novo golpe, o futebol e volta ao centro do debate político com o protagonismo das torcidas organizadas, cerceadas pela mídia e pelo judiciário em seu grito de defesa a Democracia.#BrasilContraGolpe #DemocraciaCorinthiana
Publicado por Mídia Ninja em Terça, 5 de abril de 2016
Para Juca Kfouri, o evento na FFLCH-USP se trata justamente de estender o debate envolvendo a Democracia Corinthiana para algo mais além do clube, que tem em sua raízes a pluralidade de vozes e o sangue operário do povo,
“Algumas pessoas me perguntaram que sentido tem para você esse encontro de rediscutir a Democracia Corinthiana. E eu disse, e eu digo, o sentido que tem estar aqui é até maior do que o de discutir o assunto. É o de discutir é democracia, que temos que praticar todos os dias e que não é de ninguém. Sequer é corinthiana. E olha que me dói dizer isso, porque no fundo, no fundo, eu acho que é”, declarou o jornalista.
Hostilizado recentemente na esquina da rua onde mora por quatro “arruaceiros”, como ele mesmo os definiu, Kfouri também lamentou pelos intolerantes e mostrou que as portas estão abertas a todos no histórico movimento alvinegro.
“Tenho pena daqueles que não são democráticos e quero combatê-los. Aqui há não corinthianos e quero lhes dizer que eles são bem-vindos, porque na nossa democracia cabe todo mundo, só não cabem os golpistas”, declarou.
Mais além da questão política e de posicionamentos ideológicos, fica registrado neste espaço o exemplo que o futebol dá para a discussão de assuntos relevantes à sociedade. E assim como nos gramados, o lema da Democracia Corinthiana cabe também ao cotidiano. “Ganhar ou perder, mas sempre com democracia”.