Quando os ingleses assinaram um tratado com os Emirados Árabes Unidos, que ainda eram os “Estados de Trégua”, no final do século XIX, o objetivo era proteger suas rotas comerciais para a Índia e ampliar ainda mais seu domínio na região.
Basicamente, os xeiques não poderiam negociar suas preciosas pérolas com qualquer outro governo, tampouco ceder território para outros países, e, principalmente, deixar de atacar os navios britânicos e indianos. Em troca, ainda receberiam proteção britânica naquele território hostil e tão suscetível a invasões.
Os anos se passaram, vieram as grandes guerras, e os Estados de Trégua e suas pérolas caíram no esquecimento. Para o Reino Unido, a relação entre os dois países já não tão era essencial. Abandonados, os árabes passaram por tempos difíceis na primeira metade do século XX.
Enquanto isso, na Inglaterra, o Manchester City comemorava em 1937 seu primeiro título da primeira divisão do Campeonato Inglês. O troféu não ia para a cidade desde 1911, quando o arquirrival United conquistou o bicampeonato. Em 1937, porém, ano do título dos Citizens, os Red Devils eram rebaixados para a segunda divisão.
No ano seguinte, o lado vermelho de Manchester celebrava o acesso. E o lado azul chorava o rebaixamento. Era a primeira vez que o atual campeão caía para a segunda divisão no campeonato seguinte. Passou a Segunda Guerra, o Campeonato Inglês voltou a ser disputado, e o City pareceu cair no esquecimento. Seu rival, por outro lado, caminhava para ser uma das potências do futebol inglês.
Nos Emirados, os xeiques foram aos poucos se dando conta de que nem tudo estava perdido. Estavam em cima de uma das maiores reservas de petróleo e gás natural do mundo. Isso foi ganhando importância à medida que veículos automotores se popularizavam ao redor do globo. Chegaram ao ápice na década de 60.
O City também voltou ao topo na mesma época. Depois de anos difíceis, alternando entre divisões inglesas, levou o título em 1968. Em 1970, nascia Mansour bin Zayed Al-Nahyan, um dos herdeiros da família mais poderosa dos Estados de Trégua. Em 1971, os xeiques decidiram que já não precisavam mais do Reino Unido, declararam independência e fundaram os Emirados Árabes Unidos.
Mansour nunca enfrentou dificuldades financeiras na vida. Era o quinto filho de 19 do xeique Zayed, espécie de chefe de estado dos EAU. Pela ordem de sucessão, dificilmente herdaria o trono do Emirado. Basicamente, teria algumas obrigações, e o resto do tempo livre para gastar como quisesse.
O xeique estudou nos EUA praticamente durante a vida inteira. Graduou-se em Ciências Sociais e foi corredor de turfe nos Emirados, quando voltava da América. Criou seus próprios negócios, como uma empresa de investimentos que, dentre outras (muitas) coisas, comprou parte das ações da Ferrari e da Barclays.
No caso do banco britânico, Mansour chegou a ligar para o presidente dos EUA, Barack Obama, para avisar sobre sua “pequena” venda de 11% das ações, que causaria grande impacto no mercado financeiro global.
Sua relação com esportes, além do turfe, é de admiração. Mansour, apesar de ter crescido nos EUA, sempre foi um grande fã de futebol. Conta publicamente que chegou a jogar pelo Al-Jazeera, dos EAU, embora a história não seja das mais confiáveis.
Nesse meio tempo, o Manchester City definitivamente entrou para o anonimato. Foi completamente ofuscado pelo rival United, que contou com grandes gerações de craques e décadas de domínio na Inglaterra, sobretudo na era Ferguson.
Os Citizens passaram a viver na sombra dos Red Devils. Uma equipe tradicional, mas mediana do futebol inglês, com fãs fanáticos, mas restritos às redondezas de Manchester. Quando não ficava no meio da tabela da Premier League, passeava por divisões inferiores da Inglaterra.
As coisas começaram a mudar em 2007, quando Thaksin Shinawatra, ex-primeiro-ministro da Tailândia, decidiu ter seu próprio clube de futebol. Escolheu uma equipe inglesa relativamente barata, mas que fosse tradicional: o City.
Trouxe alguns reforços, como o brasileiro Elano. Os resultados não foram tão bons, e, na temporada seguinte, Shinawatra decidiu apelar. Tentou comprar Ronaldinho Gaúcho, que estava de saída do Barcelona. Não conseguiu. Desanimado, resolveu colocar o clube à venda.
Foi quando Mansour, propositalmente ou não, resolveu colocar a Inglaterra ainda mais a seus pés. Não bastava seus investimentos nas empresas inglesas. O xeique queria que seu novo cofrinho fosse um clube de futebol. Aproveitou a oportunidade e comprou o City, um clube que, de certa forma, refletia a história dos Emirados Árabes. Que enfim tinha encontrado sua reserva de petróleo.
Apesar dos bilhões, o City era – e ainda é – o patinho feio dos novos-ricos. Não tem o mesmo apelo midiático que o Paris Saint-Germain, e tampouco o estrondoso sucesso esportivo do Chelsea. A sombra do Manchester United é grande demais. A ponto de Robinho, primeira grande contratação do clube, confessar que achava estar a caminho do United, e que nem sabia da existência dos Citizens até assinar o contrato.
Isso refletiu no mercado. Cristiano Ronaldo, Kaká e Messi simplesmente rejeitaram a montanha de dinheiro oferecido pelos xeiques. Contratar jogadores de renome sempre foi um problema para a equipe inglesa.
Vencer campeonatos, não. Desde a era Mansour, de 2008 para hoje, o City já conquistou dois Campeonatos Ingleses, uma FA Cup, uma Copa da Liga e uma Community Shield. Se não consegue contratar os craques midiáticos, a diretoria do tem tido êxito em trazer jogadores de muita qualidade, mas sem tanto prestígio, casos de David Silva, Yaya Toure, Vincent Kompany, Dzeko, entre outros.
Mansour jamais presidiu o Manchester City. Nunca quis os holofotes, e apenas observa o sucesso de seu brinquedo de longe, com pitacos aqui e ali. Suas aparições no estádio são raras, ao contrário dos donos de PSG e Chelsea. Mesmo assim, é mais idolatrado pelos torcedores de seu time do que Abramovich ou Al-Khelaifi. E, para ele, é o suficiente.