Como a fé de um ídolo mudou a rotina do futebol de...

Como a fé de um ídolo mudou a rotina do futebol de um país

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O Alambrado já mostrou em diversas oportunidades a capacidade que o futebol tem de se mesclar com aspectos importantes da nossa sociedade, como no caso do goleiro Roa, que interrompeu a carreira por conta da religião. Mas o argentino não foi o primeiro a fazê-lo. E nem o que obteve mais impacto.

No Taiti, país da Oceania que ficou conhecido pelo público brasileiro por conta da participação na Copa das Confederações de 2013, um homem também se opôs a jogar nos dias que sua religião consideravam sagrados. E isso acabaria mudando toda a rotina do futebol local.

A figura em questão é Erroll Bennett, meia-atacante que encantou os fãs do esporte no país durante as décadas de 1970 e 1980. Em um país apaixonado por futebol mas com pouca representatividade nas competições internacionais, Bennett foi o primeiro grande ídolo.

Vale lembrar que no Taiti o futebol é amador, o que forçava os atletas a buscarem sua renda em outra profissão. As rodadas da liga local eram disputadas aos domingos, para evitar que houvesse conflito de horários com as profissões dos jogadores.

Bennett, que atuava como policial durante a semana, encantava os torcedores do seu clube, o Central, quando entrava em campo aos domingos. Mas o nível de respeito alcançado pelo ídolo chegava ao ponto de fazer com que fãs de outros times colocassem faixas elogiosas ao redor do campo, como “Bennett, o terror do estádio” e “Bennett, o impiedoso”.

Em 1973, com 23 anos, Bennett foi o líder da seleção taitiana na campanha que culminou com a chegada à final da Copa da Oceania, contra a Nova Zelândia. Com três gols na competição, era a grande esperança para derrotar os neozelandeses, que acabariam vencendo por 2×0.

Bennett (à direita) ao lado do filho Naea (Foto: Reprodução)
Bennett (à direita) ao lado do filho Naea (Foto: Reprodução)

Apesar da derrota na decisão, Bennett voltou ao país com o nível de idolatria ainda maior, o que se seguiria até 1977, quando uma notícia surpreendente abalou os alicerces do futebol no Taiti. A estrela veio a público anunciar que havia se convertido para a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, popularmente conhecida como Igreja Mórmon.

O impacto da decisão seria imediato: apesar da discordância por parte dos colegas de time e até mesmo do próprio pai, Bennett não poderia mais jogar futebol aos domingos, dia considerado sagrado para os mórmons.

A situação era extremamente curiosa. Um astro no auge que se privava do esporte pelo qual era apaixonado por conta de sua fé. Os cartolas da liga amadora taitiana não demoraram para perceber que a ausência de Bennett seria um forte golpe para o campeonato todo.

Foi aí que entrou em cena a figura de Napoleon Spitz, presidente do Central e também mandatário da liga. Extremamente influente, Spitz convocou uma reunião com os representantes dos clubes para encontrar uma solução.

No encontro, o dirigente abordou a importância de Bennett para o futebol do país, e o quanto a ausência dele diminuiria o interesse dos torcedores. E conseguiu convencer os outros cartolas que os jogos aos domingos impediam que os jogadores descansassem com suas famílias.

Por conta da influência e do poder de persuasão de Spitz, a decisão foi tomada: A partir dali, os jogos da liga mais importante do Taiti passariam a acontecer apenas durante as noites no meio da semana. Bennett estava livre para jogar novamente.

O efeito foi surpreendente. Atletas e torcedores iam direto de seus trabalhos para as partidas, e aparentemente ficaram contentes com a possibilidade de passar o fim de semana em casa.

Bennett, ainda mais confiante por saber de seu impacto no futebol local, manteve-se por mais um bom tempo como o maior nome do esporte no Taiti, lembrado frequentemente em eleições de melhor jogador do continente.

Bennett pendurou as chuteiras em 1983, com 11 títulos nacionais pelo Central, mas seu legado se manteve na figura do filho Naea. Capitão e craque da seleção taitiana de futebol de praia, Naea herdou as convicções do pai, se recusando a jogar aos domingos mesmo em competições internacionais.

Foi o que aconteceu na final da última Copa do Mundo de Futebol de Areia, entre Portugal e Taiti. Apesar da pressão por parte dos colegas e dos torcedores, Naea se recusou a jogar. O time sentiu sua falta, e acabou sucumbindo por 5×3.

Para quem não compartilha das crenças dos Bennett, pode ser difícil concordar com essas escolhas. Mas acabam se mostrando como ótimos exemplos da via de mão dupla que relaciona o futebol com a religião.

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