A febre que nenhum remédio cura

    A febre que nenhum remédio cura

    "Febre de Bola" leva para as páginas os prazeres e prejuízos de um fanático por futebol

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    (Companhia das Letras/Divulgação)
    (Companhia das Letras/Divulgação)

    “O futebol me deixou retardado”. A frase é forte, pouco romântica e não muito elogiosa, soando até um tanto deslocada para alguém que abre um livro sobre futebol em uma livraria e espera ouvir todas aquelas descrições apaixonadas tão comuns em publicações desse tipo.

    Mas “Febre de Bola”, do inglês Nick Hornby, não é uma obra que trata propriamente sobre a beleza do esporte. Em vez disso, mostra a capacidade que ele tem de se tornar uma doença, influenciando de forma direta ou indireta todos os acontecimentos da vida de um verdadeiro torcedor fanático.

    Para exemplificar a influência que essa febre provocou em sua vida, o autor escolheu uma forma compreensível de contar a própria história. Cada capítulo tem uma partida como pano de fundo, mesmo que não sejam exatamente grandes espetáculos cheios de gols ou valendo títulos.

    Doentes por futebol costumam saber o quanto é mais fácil lembrar de acontecimentos a partir de jogos que aconteceram no mesmo dia. No caso de Hornby, a esmagadora maioria das memórias remete, obviamente, ao seu clube, o Arsenal.

    Mas ele também narra casos interessantes referentes a jogos da seleção inglesa, do pequeno Cambridge United, e até mesmo do Liverpool, ao se referir às duas grandes tragédias envolvendo o futebol inglês nos anos 80, em Heysel e Hillsbourough.

    Apesar da história mostrar esse microuniverso aparentemente restrito à Inglaterra, é fácil para qualquer torcedor se identificar com o relato. Isso porque a quantidade de emoções que o futebol proporciona não se limita a um só lugar.

    As inúmeras tristezas, entremeadas por algumas poucas (mas inesquecíveis) alegrias acabam deixando a sensação que o esporte é mais uma penitência do que uma paixão. Em diversos pontos, fica clara a intenção do autor de demonstrar que seu fanatismo o privou de muitas coisas consideradas “normais” para um cidadão médio, mas que tudo o que ele obteve também girou em torno disso.

    A obra foi escrita há mais de 20 anos e, desde o seu lançamento, em 1991, muita coisa mudou no mundo do futebol, inclusive na Inglaterra. O perfil do torcedor que vai aos estádios não é mais aquele, a elitização trouxe novos elementos para a mistura, inclusive com melhores coberturas televisivas.

    Até mesmo o Arsenal de Hornby mudou radicalmente de cara, deixando de ser um time que jogava feio e ganhava na marra pra se tornar uma equipe que preza pelo jogo bonito mas pouco efetivo.

    Mas algumas coisas não mudaram tanto, embora devessem ter mudado. É triste perceber que em 91 temas como o racismo e a violência entre torcedores já estivessem em pauta, sem ter uma resolução até hoje.

    Todos esses fatores negativos podem provocar um certo desânimo para seguir acompanhando o esporte. Mas depois de tantas adversidades, as conquistas acabam se tornando melhores e trazendo o brilho de se apaixonar pelo futebol de novo.

    Hornby conseguiu levar esse sentimento para as páginas na medida certa. Como tantas desilusões podem constituir uma paixão? Qualquer resposta vai parecer vazia ou delirante demais. Mas delírios são um sintoma comum dessa doença que é o amor pelo jogo.

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    Jornalista, 23 anos. Amante do futebol bonito e praticante do futebol feio