Foram longos cinco anos de espera. Até que, nesta quarta-feira (25) os palestrinos finalmente voltarão a receber o clássico entre Palmeiras e São Paulo em uma casa que podem chamar de sua. E se a parte verde da capital paulista está em desvantagem no histórico do Choque Rei (106 vitórias são-paulinas ante 98 dos rivais), ao menos guarda boas memórias sobre o último confronto disputado no finado Parque Antártica.
Cinco meses após aquela vitória por 2 a 0 do Palmeiras sobre os rivais, o antigo Palestra Itália seria fechado. Um estádio praticamente novo surgiria anos mais tarde, sob o nome de uma seguradora, Allianz, e a forma de uma arena modernosa. O Alambrado mais uma vez faz uso de sua mágica máquina do tempo e leva você de volta ao Paulistão de 2010, mais especificamente ao dia 21 de fevereiro daquele ano.
O contexto
O ano anterior, 2009, foi traumático para as duas equipes. No Paulistão, nenhum deles sequer chegou à final. Pela primeira vez em três anos, o São Paulo não conquistou o Campeonato Brasileiro. Antes disso, havia sido mais uma vez eliminado precocemente na Libertadores – na ocasião, perdeu para o Cruzeiro nas quartas de final.
O torneio sulamericano era de tamanha cobiça por parte da torcida e da diretoria tricolor que o técnico (e ídolo) Muricy Ramalho, responsável pelo tri brasileiro (2006, 2007 e 2008), acabou demitido após a derrota para os mineiros. A tetra eliminação para times tupiniquins (em 2008, para o Flu nas quartas; em 2007, para o Grêmio nas oitavas; e em 2006, o vice diante do Inter) pesou muito mais que as conquistas anteriores. Para seu lugar, veio Ricardo Gomes.
No outro lado do muro da Barra Funda, o Palmeiras também havia disputado aquela Libertadores de 2009. E também caiu nas quartas. Luxemburgo liderava a típica equipe de medalhões que costumava exigir em seu auge. Sempre atendido pelo então presidente (e louco) Luiz Gonzaga Belluzzo, o pofexô reuniu Diego Souza, Keirrison, Edmílson, Armero, Cleiton Xavier e outros valorizados à época.
Naquele que provavelmente tenha sido o último grande milagre de São Marcos, passou nos pênaltis nas oitavas sobre o Sport na Ilha do Retiro, com imensa contribuição do lendário arqueiro palestrino, que defendeu três cobranças. Nas quartas, não foi páreo para o Nacional-URU e deu adeus ao sonho. Luxa seria demitido algum tempo depois. Para seu lugar? Simplesmente Muricy Ramalho.
Mas até a chegada de Muricy passou-se quase um mês. Neste meio tempo, quem estava à frente do time era o interino Jorginho, que desde então tem perambulado por um punhado de clubes. Na chance que teve no Verdão, foi muito bem. Liderou o Brasileiro por várias rodadas e entregou uma equipe vice-líder ao seu sucessor. A mania de grandeza havia falado mais alto, e Belluzzo optou por investir rios de dinheiros em um técnico consagrado.
O resultado foi vexatório. Muricy não conseguiu convencer o elenco. O time passou a jogar muito mal. De favorito ao título, conseguiu a proeza de terminar o torneio no quinto lugar, fora até mesmo da zona da Libertadores. Para 2010, foi bancado pela direção. Mas começou muito mal no Paulista e foi para a rua após sofrer uma goleada de 4 a 1 para o São Caetano. Em uma atitude folclórica, o Verdão trouxe justamente o então técnico do Azulão, Antônio Carlos Zago. Se não consegue vencê-los, junte-se a eles, já diz a máxima.
O embate
A troca de técnicos aconteceu três dias antes do Choque Rei. Abalado, o Verdão não era favorito para aquele clássico. Zago só teve algumas horas para conhecer seus novos jogadores. O bom time de 2009 havia se desmanchado parcialmente após o fracasso no Brasileiro. E o Palmeiras veio a campo com Marcos; Wendel, Léo, Danilo e Eduardo; Pierre, Márcio Araújo, Cleiton Xavier e Diego Souza; Lenny e Robert. Ainda entraram no decorrer do jogo Deyvid Sacconi, Marquinhos e Edinho.
Com Marcos, Cleiton Xavier e Diego Souza, além dos medianos Danilo, Léo e Pierre, a safra palestrina era escassa, mas aceitável. Robert estava entre os contestados, tendo chegado sob desconfiança em um empréstimo do Monterrey-MEX no segundo semestre de 2009 para substituir Keirrison, que havia ido para o Barcelona. Somava três gols em dez jogos.
O lado tricolor da história estava em melhor fase no Paulista, mas era de um nível semelhante, levemente superior. O clube passaria por uma dolorosa entressafra de títulos, que seria interrompida só no fim de 2012, com a Sul-Americana. Veio a campo com Rogério Ceni; Renato Silva, Xandão e Miranda; Jean, Hernanes, Cicinho, Jorge Wagner e Cléber Santana; Marcelinho Paraíba e Washington. Nada mal.
O jogo começou duríssimo, com o Palmeiras mais ofensivo e o São Paulo recuado. Sobrou vontade, mas faltou gol no truncado primeiro tempo. Tudo mudou no segundo tempo, quando Xandão recebeu o segundo amarelo, foi para o chuveiro mais cedo e colocou seus companheiros em apuros.
A expulsão motivou os palestrinos, empurrados também por pouco mais de 13 mil pagantes naquela tarde de domingo. Logo na sequência, rá, que ironia: no popular “Muricybol”, o Palmeiras abriu o placar. Cleiton Xavier fez o chuveirinho para a área e Robert, de cabeça, subiu mais que Miranda e mandou para o fundo do barbante.
A vibração dos mandantes foi evidente. Zago esbravejou no banco, Robert chorou ao ser abraçado pelos companheiros. Um alívio para os alviverdes, que estavam há dois anos sem vencer o rival e definitivamente passavam por crise. Mas ainda teria mais. Algum tempo depois, o iluminado Robert, mais uma vez de cabeça, mandou para dentro uma cobrança de escanteio de… Lenny. Era o dia do Palmeiras, sem dúvida.
O pós-jogo
O dia pode ter sido memorável para os palestrinos e esquecível para os são-paulinos, mas, já diz a máxima, quem ri por último ri melhor. Mesmo vencendo o último Choque Rei do velho Parque Antártica, o Palmeiras fez uma campanha pífia no Paulistão 2010, terminando em 11º, a anos-luz de distância do G-4. Já o São Paulo conseguiu o quarto lugar e a consequente última vaga para a semifinal, quando terminou atropelado pelo Santos.
Contudo, pode-se dizer que aquele foi um torneio divertido para os palmeirenses. Além da vitória sobre o São Paulo, a equipe foi uma das poucas a bater o avassalador Santos daquele ano, formado por Neymar, Robinho, Ganso, André, Wesley e outros, campeão paulista e da Copa do Brasil. Comandado por Zago, o valente Palmeiras ganhou de virada por 4 a 3 em plena Vila Belmiro, no famoso jogo das dancinhas. Com direito a três gols de Robert, o homem dos clássicos.
A parte mais irônica deste traiçoeiro universo chamado futebol ainda estava por vir. Pouco depois do término do Paulistão, Zago foi demitido do Palmeiras. Motivo? Um desentendimento com… Robert. O atacante teria se atrasado por horas a um embarque do clube após um confronto no Rio, voltado apenas de madrugada e contrariando a ordem do chefe, que tinha liberado os atletas por um tempo, desde que se reapresentassem à tempo de pegar o voo.
Quando chegou ao ônibus, o jogador foi recebido por um furioso Antonio Carlos Zago. Os dois discutiram, e, à época, chegou a sair em off na imprensa que a dupla havia brigado fisicamente, fato negado oficialmente pelo clube. De qualquer forma, o Palmeiras acabou mandando os dois para a rua. A versão que corre é de que a diretoria teria negado o pedido de afastar Robert, pois achava que o errado era o técnico, por ter liberado os atletas.
O clube encerrou o empréstimo de Robert, que logo seria emprestado novamente pelo Monterrey, desta vez ao Cruzeiro. Já Zago, alguns meses mais tarde, assumiu o Grêmio Prudente. Hoje, o folclórico veterano é auxiliar do Shakhtar, enquanto Robert defende o Sampaio Corrêa.
E o São Paulo? Bem, foi mais uma vez eliminado da Libertadores. Pelo quinto ano consecutivo, não conseguiu superar um time brasileiro e caiu para o Internacional na semifinal. Sobrou de novo para o técnico. Algumas semanas depois, passada a Copa do Mundo, Ricardo Gomes deixou o Tricolor.