Martín Palermo correu eufórico em direção à bandeirinha de escanteio, tirou a camisa com o número 18 que envergava, àquela altura completamente encharcada pelo dilúvio que caía sobre o Estádio Monumental de Núñez, em Buenos Aires, e recebeu um forte abraço físico de seus companheiros de seleção e outro simbólico de seus compatriotas.
Ainda agarrado pelo capitão Javier Mascherano, o atacante beijou o nome que leva escrito no braço esquerdo em homenagem ao filho Stefano, falecido pouco depois de nascer, em agosto de 2006. Já sozinho, abriu os braços com as mãos para cima, olhou para o céu e deu outro beijo em sua tatuagem.
Então, esgotado emocionalmente pela tensão da partida, o jogador do Boca Juniors curvou-se e apoiou-se nos joelhos. Respirou. Pegou o uniforme alviceleste que havia jogado no gramado e retornou ao meio de campo. Naquele momento, toda a Argentina sentia um misto de alívio e esperança.
Antes de continuar, talvez seja melhor esclarecer o contexto da situação ao leitor para que este compreenda os motivos que tornaram o referido episódio tão épico. O memorável fato ocorreu na noite de 10 de outubro de 2009, diante do Peru, pela penúltima rodada das Eliminatórias para a Copa do Mundo da África do Sul.
Comandada por Diego Maradona, a seleção nacional sofria com as pressões motivadas pelos frequentes tropeços durante a fase de classificação. Embora tivesse jogadores talentosos e Lionel Messi, então melhor do mundo, o time não conseguia corresponder às expectativas e se complicava cada vez mais.
Neste cenário, a Argentina ocupava a quarta posição da tabela sul-americana e corria o risco de ter de disputar a repescagem para se garantir no Mundial, algo que não acontecia desde 1993, quando o país venceu a Austrália e foi para os Estados Unidos. Desta vez, a concorrência pela vaga direta era a do Uruguai, então quinto colocado.
Mais cedo no mesmo dia, o selecionado “charrúa” havia batido o Equador por 2 a 1, em Quito, com um gol agônico de Forlán, que converteu um pênalti aos 48 minutos do segundo tempo. O resultado deixou os uruguaios com 23 pontos, um a mais que os argentinos, adversários na última rodada, em Montevidéu
Sabendo da importância da vitória, a equipe de Maradona foi a campo com Sergio Romero; Jonás Gutiérrez, Rolando Schiavi, Gabriel Heinze e Emiliano Insúa; Enzo Pérez, Javier Mascherano, Angél Di María e Pablo Aimar; Lionel Messi e Gonzalo Higuaín.
Nervosos, os jogadores não tiveram boa atuação no primeiro tempo. Enquanto Messi não conseguiu se associar com ninguém, Higuaín desperdiçou duas chances claras contra a meta de Leao Butrón. Por outro lado, o lanterna Peru tampouco produziu, mas segurou os ímpetos rivais como pôde.
No intervalo, a torcida pediu por Palermo, que seis meses mais tarde, curiosamente, se tornaria o maior artilheiro da história do Boca Juniors. A súplica chegou aos ouvidos do treinador, que o colocou no lugar de Pérez logo na volta do intervalo. Aos 2 minutos, Higuaín, enfim, brilhou e abriu o placar.
Ele aproveitou boa jogada iniciada por Messi e desenvolvida por Aimar, que o brindou com um passe açúcarado para o atacante dar um breve conforto aos donos da casa. Enganava-se, contudo, quem apostava em uma partida mais tranquila. Os peruanos se empenharam durante toda a etapa restante até empatarem aos 45 minutos.
Quando o mundo desabava sobre a cancha do River Plate e dificultava até mesmo a visão dentro de campo, uma tempestade que tornava a missão dos hermanos mais difícil a cada gota que lhes machucava a pele, talvez tanto quanto o gol de cabeça de Hernán Rengifo, o juiz boliviano René Ortubé determinou dois minutos de acréscimo.
Foram 120 segundos intensos, cheios de sofrimento, ansiedade, tortura e preocupação. Em campo, as emoções não deviam ser muito diferentes, e elas foram intensificadas com um escanteio no exato minuto 47. O tiro de canto representava a última munição de uma arma que havia falhado tantas e tantas vezes até ali.
Na bola, Insúa. Na área, além dos jogadores, o desespero de uma nação. O cruzamento do camisa 13 viajou de um lado para o outro, fazendo o caminho oposto logo em seguida até voltar aos pés de Insúa. Ele chutou para o gol, mas a bola foi desviada e sobrou para Palermo. Não podia ser alguém diferente.
“El Titán” ou “El Loco”, que carregava nas costas o peso de ter perdido nada menos do que três pênaltis contra a Colômbia na primeira fase da Copa América de 1999, no Paraguai, passou uma década sem vestir as cores de seu país desde então, embora tivesse colecionado títulos e títulos com o Boca Juniors neste período.
No entanto, Maradona deu-lhe algumas oportunidades durante as Eliminatórias para o Mundial. E Palermo, como quase sempre durante sua carreira, estava no lugar certo quando mais se precisou. Da pequena área, empurrou a bola para o fundo da rede, e o Monumental, vejam só como é o futebol, rendeu-se, mesmo que por um momento, a um ídolo xeneize.
Assim, a Argentina dependia de si mesma para assegurar a classificação. O clássico contra o Uruguai, no Estádio Centenário, quatro dias depois, foi vencido com um gol de Mario Bolatti. A Argentina estava na Copa. No fim, os charrúas passaram pela repescagem e tiveram melhor campanha que os hermanos na África do Sul. Só que essa já é outra história.
Naquela noite chuvosa e dramática, a estrela de Palermo, o Titã, brilhou mais forte que a defesa peruana – para alegria do questionado Maradona, que celebrou o tento com um peixinho cinematográfico no gramado. Esse não foi exatamente o jogo que definiu a vaga alviceleste, porém, foi o mais marcante.